Recentemente fui introduzido ao pensamento dos estóicos, filósofos greco-romanos do início da nossa era com uma filosofia de essência socrática do meu ponto de vista e que tinham coisas muito interessantes a dizer sobre a felicidade (ou mais apropriadamente o contentamento), um estado segundo eles desejável e atingível, em que consistia e como obtê-la. Duas premissas fundamentais podem ser retiradas dos seus ensinamentos:
1 – não são as coisas, pessoas ou acontecimentos externos que nos fazem sofrer em si mesmos, mas a nossa interpretação sobre elas;
2 – há coisas que podemos controlar e coisas que não podemos controlar. Só nos devemos preocupar com aquilo que podemos controlar, tudo o resto não é da nossa conta.
A premissa numero 1 vem directamente de encontro ao que descobri na minha própria prática das terapias que uso e da qual me fui apercebendo à medida que os resultados iam aparecendo e que eram consistentes: aquilo que fazia e faz sofrer as pessoas que assisto não podem ser os acontecimentos ou o contexto que elas dão como a causa para o seu sofrimento, pois essas circunstâncias não mudam assim, e no entanto o sofrimento desaparece ou é reduzido de forma dramática! O familiar que morreu recentemente de acidente, o medo de estar sozinha em casa ou em público, a memória de uma separação, tudo isto e muito mais pode desaparecer numa só sessão, sem que as circunstâncias externas tivessem mudado. Algo mudou dentro da pessoa que fez com que não sofressem com as mesmas situações, só isso. As suas percepções mudaram.
Isto para mim está claro, e no entanto é difícil vermos isso por nós mesmos. A nossa mente mente-nos e engana-nos constantemente. Somos levados pelo turbilhão de emoções activadas pelas mais diversas situações da vida, e reagimos e pensamos como se fossem essas situações a causa do nosso sofrimento: julgamos, culpamos, e moemos a situação até à exaustão, tentando controlar as circunstâncias externas para reduzirmos ou acabarmos com o nosso sofrimento, geralmente com pouco ou nenhum sucesso nesse sentido. Aliás, no geral isso só piora ou perpetua o sofrimento.
É aqui que entra a segunda premissa: há coisas que podemos controlar e coisas que não podemos controlar. Derren Brown, no seu livro Happy em que descreve a filosofia estóica, diz que o único que podemos controlar são os nossos pensamentos e acções/escolhas. As acções dos outros, o tempo, as coisas que acontecem no exterior simplesmente não podemos controlar, e quanto mais depressa aceitarmos este facto mais depressa estaremos contentes porque de facto é verdade e libertador.
Mas como estudioso do tema há bastante tempo também tive que investigar em profundidade se até os nossos pensamentos e escolhas nós podemos controlar. Será que podemos de facto controlar os nossos pensamentos?
Cheguei à conclusão que não. Tentar controlar os nossos pensamentos é uma tarefa tão frustrante e destinada ao fracasso e a sentimentos de frustração como tentar controlar a meteorologia: é impossível. Se não vejamos: sabe-me dizer qual o pensamento que vai ter a seguir, qual será o seu próximo pensamento? Vai ser sobre o quê? Pode decidir/controlar conscientemente em que é que vai pensar a seguir? No laboratório da minha própria mente descobri que não. Se isso fosse possível teria que haver um operador da maquinaria do pensamento, alguém que controlava as alavancas da mente: ok, puxo esta para pensar neste assunto particular.
Não é assim que funciona na minha experiência. O pensamento é espontâneo, como o vento é espontâneo. Nós somos, isso sim, a testemunha do pensamento, aquele que experiencia o pensamento e a emoção associada, aquele através do qual elas emergem.
Então que posso eu controlar? Nada? Algo?
Sim, parece-me que há algo que podemos controlar, mas não é o pensamento em si, o conteúdo do nosso pensamento. Temos escolha, sempre, depois de termos tido um pensamento. É aqui que entra a Vontade que Epíteto falava, uma faculdade mais da nossa essência, daquilo que realmente somos. O fluxo ou corrente do pensamento é espontânea, mas a forma como lidamos com ela – se aceitamos ou não o pensamento que emergiu por exemplo – isso sim pode ser controlado conscientemente. Eu posso decidir (aqui está a escolha a que temos direito) como vou reagir áquele pensamento: se o aceito ou rejeito, se me agarro a ele ou deixo-o partir.
E aqui, parece-me, está a essência do controlo que temos ao fluxo do pensamento, que é na verdade o fluxo da vida: ou o resistimos e bloqueamos, ficando presos a um dado pensamento ou emoção, ou o deixamos ir, simplesmente. Essa é no fundo a nossa escolha, como se fossemos somente um músculo que ou está contraído e por isso fica preso num dado momento da corrente incessante da vida, ou somos um músculo flexível e dinâmico, que responde em sintonia com a corrente da vida e que é una com ele. Consegue ver a escolha que tem?
A felicidade, o contentamento, é assim fácil de atingir para quem entende e pratica estes princípios, pois o único inimigo ou obstáculo verdadeiro para esta experiência tão natural e divina da simples alegria do ser é de facto a nossa escolha ao que passa pela nossa cabeça: vamos moer nisso, cegamente imersos num sonho que nos domina, ou vamos deixar passar e largá-lo, estando assim em harmonia com o fluxo constante e permanente da vida? Cada um tem que olhar para si, momento a momento, e ver onde e como está a reagir às coisas, que não é mais do que a reacção programada a uma série de estímulos. Sabendo isso temos uma escolha: continuar a alimentar essa programação irracional, ou decidir deixar de lhe dar alimento.